A mensagem do Papa Francisco para a Quaresma 2015 foi apresentada na manhã desta terça-feira (27/01), na Sala de Imprensa da Santa Sé. O tema “Fortalecei os vossos corações” foi extraído do Carta de São Tiago, capítulo 5, versículo 8. O período quaresmal tem início na Quarta-feira de Cinzas, 18 de fevereiro.

No texto, o Pontífice reflete sobre a “globalização da indiferença”, que pode atingir três esferas da vida eclesial: a Igreja, as comunidades e cada um dos fiéis.

Escreve o Papa: “Quando estamos bem e comodamente instalados, esquecemo-nos certamente  dos outros, não nos  interessam os seus problemas, nem as tribulações  e injustiças que sofrem; e, assim, o nosso coração  cai na indiferença: encontrando-me relativamente  bem e confortável, esqueço-me dos que não estão  bem! Hoje, esta atitude egoísta de indiferença atingiu uma dimensão mundial tal que podemos falar de uma globalização da indiferença. Trata-se de um mal-estar que temos obrigação, como cristãos, de  enfrentar”.

Igreja

Quanto à Igreja, Francisco recorda que no corpo de Cristo não há espaço para a indiferença, citando  o Apóstolo Paulo: “Assim, se um membro sofre, com ele sofrem todos os membros”. Estando interligados em Deus, afirma ele, podemos fazer algo mesmo pelos que estão longe, por aqueles que não poderíamos jamais alcançar: “rezamos com eles e por eles a Deus, para que todos nos abramos à sua obra de salvação”.

Paróquias e as comunidades

Nas paróquias e as comunidades, o Papa sugere que, para receber e fazer frutificar plenamente aquilo que Deus nos dá, deve-se ultrapassar as fronteiras da Igreja visível em duas direções. Em primeiro lugar, unindo-nos na oração. Em  segundo  lugar,  cada  comunidade  cristã  é  chamada a atravessar o limiar que a põe em relação com a sociedade circundante, com os pobres e com os  incrédulos. “A Igreja é, por sua natureza, missionária, não fechada em si mesma, mas enviada a todos os  homens”, escreve Francisco, que faz um apelo: “Amados irmãos e irmãs, tornem-se ilhas de misericórdia no meio do mar da indiferença!”.

Fiéis

Por fim, o Pontífice se dirige a cada um dos fiéis, pedindo que não se deixem absorver pela “espiral de terror e impotência” diante de notícias e imagens que relatam o sofrimento humano.

“Não subestimemos a força da oração!”, escreve o Papa, citando a iniciativa “24 horas para o Senhor”, que se celebrará em toda  a Igreja nos dias 13 e 14 de março. Além da oração, Francisco recorda que todos podem contribuir para o fim do sofrimento com gestos de caridade, graças aos inúmeros organismos caritativos da Igreja.

“A Quaresma é um tempo propício para mostrar este interesse pelo  outro, através de um sinal – mesmo pequeno, mas  concreto – da nossa participação na humanidade  que temos em comum.”

Francisco recorda ainda que o sofrimento do próximo constitui um apelo à conversão, “porque a necessidade do irmão recorda-me a fragilidade da minha vida, a minha dependência de Deus e dos irmãos”.

Conversão

E conclui: “Para superar a indiferença e as nossas pretensões de onipotência, gostaria de pedir a todos para viverem este tempo de Quaresma como um percurso de formação do coração. Teremos assim um coração forte e misericordioso, vigilante e generoso, que não se deixa fechar em si mesmo nem cai na  vertigem da globalização da indiferença”.


Eis o texto integral:

« Fortalecei os vossos corações» (Tg5,8)

Amados irmãos e irmãs!

Tempo de renovação para a Igreja, para as comunidades e para cada um dos fiéis, a Quaresma é  sobretudo um « tempo favorável » de graça (cf. 2  Cor6,2). Deus nada nos pede, que antes não no-lo  tenha dado: « Nós amamos, porque Ele nos amou  primeiro »  (1 Jo4,19). Ele não nos olha com indiferença; pelo contrário, tem a peito cada um de nós,  conhece-nos pelo nome, cuida de nós e vai à nossa  procura, quando O deixamos. Interessa-Se por cada  um de nós; o seu amor impede-Lhe de ficar indiferente perante aquilo que nos acontece. Coisa diversa se passa connosco! Quando estamos bem e comodamente instalados, esquecemo-nos certamente  dos outros (isto, Deus Pai nunca o faz!), não nos  interessam os seus problemas, nem as tribulações  e injustiças que sofrem; e, assim, o nosso coração  cai na indiferença: encontrando-me relativamente  bem e confortável, esqueço-me dos que não estão  bem! Hoje, esta atitude egoísta de indiferença atingiu uma dimensão mundial tal que podemos falar de uma globalização da indiferença. Trata-se de um  mal-estar que temos obrigação, como cristãos, de  enfrentar.

Quando o povo de Deus se converte ao seu  amor, encontra resposta para as questões que a história continuamente nos coloca. E um dos desafios  mais urgentes, sobre o qual me quero deter nesta  Mensagem, é o da globalização da indiferença. Dado que a indiferença para com o próximo e  para com Deus é uma tentação real também para  nós, cristãos, temos necessidade de ouvir, em cada  Quaresma, o brado dos profetas que levantam a voz  para nos despertar. A  Deus  não  Lhe  é  indiferente  o  mundo,  mas  ama-o  até  ao  ponto  de  entregar  o  seu  Filho  pela  salvação de todo o homem. Na encarnação, na vida  terrena, na morte e ressurreição do Filho de Deus,  abre-se definitivamente a porta entre Deus e o homem, entre o Céu e a terra. E a Igreja é como a mão  que mantém aberta esta porta, por meio da proclamação da Palavra, da celebração dos Sacramentos,  do testemunho da fé que se torna eficaz pelo amor  (cf. Gl 5,6).  O  mundo,  porém,  tende  a  fechar-se  em si mesmo e a fechar a referida porta através da  qual Deus entra no mundo e o mundo n’Ele. Sendo  assim, a mão, que é a Igreja, não deve jamais surpreender-se, se se vir rejeitada, esmagada e ferida. Por isso, o povo de Deus tem necessidade de  renovação, para não cair na indiferença nem se fechar em si mesmo. Tendo em vista esta renovação,  gostaria de vos propor três textos para a vossa meditação.

1. « Se um membro sofre, com ele sofrem todos os  membros » (1 Cor12,26)– A Igreja.

Com o seu ensinamento e sobretudo com o seu  testemunho, a Igreja oferece-nos o amor de Deus,  que rompe esta reclusão mortal em nós mesmos que  é a indiferença. Mas, só se pode testemunhar algo  que antes experimentámos. O cristão é aquele que  permite a Deus revesti-lo da sua bondade e misericórdia, revesti-lo de Cristo para se tornar, como Ele,  servo de Deus e dos homens. Bem no-lo recorda a liturgia de Quinta-feira Santa com o rito do lava-pés. Pedro não queria que Jesus lhe lavasse os pés, mas depois compreendeu que Jesus não pretendia apenas  exemplificar  como  devemos  lavar  os  pés  uns aos outros; este serviço, só o pode fazer quem,  primeiro, se deixou lavar os pés por Cristo. Só essa  pessoa « tem parte com Ele » (cf. Jo 13,8), podendo  assim servir o homem. A Quaresma é um tempo propício para nos deixarmos servir por Cristo e, deste modo, tornarmo-nos  como  Ele.  Verifica-se  isto  quando  ouvimos  a Palavra de Deus e recebemos os sacramentos,  nomeadamente a Eucaristia. Nesta, tornamo-nos naquilo que recebemos: o corpo de Cristo. Neste corpo, não encontra lugar a tal indiferença que,  com tanta frequência, parece apoderar-se dos nossos corações; porque, quem é de Cristo, pertence  a um único corpo e, n’Ele, um não olha com indiferença o outro. « Assim, se um membro sofre,  com ele sofrem todos os membros; se um membro  é  honrado,  todos  os  membros  participam  da  sua  alegria » (1 Cor12,26). A Igreja é communio sanctorum, não só porque,  nela, tomam parte os Santos mas também porque é  comunhão de coisas santas: o amor de Deus, que  nos foi revelado em Cristo, e todos os seus dons;  e, entre estes, há que incluir também a resposta de  quantos se deixam alcançar por tal amor. Nesta comunhão dos Santos e nesta participação nas coisas  santas, aquilo que cada um possui, não o reserva  só para si, mas tudo é para todos. E, dado que estamos interligados em Deus, podemos fazer algo  mesmo pelos que estão longe, por aqueles que não  poderíamos jamais, com as nossas simples forças,  alcançar: rezamos com eles e por eles a Deus, para  que todos nos abramos à sua obra de salvação.

2. « Onde está o teu irmão? »  (Gn 4,9)– As paróquias e as comunidades

Tudo o que se disse a propósito da Igreja universal  é  necessário  agora  traduzi-lo  na  vida  das  paróquias e comunidades. Nestas realidades eclesiais, consegue-se porventura experimentar que  fazemos parte de um único corpo? Um corpo que,  simultaneamente, recebe e partilha aquilo que  Deus nos quer dar? Um corpo que conhece e cuida dos seus membros mais frágeis, pobres e pequeninos? Ou refugiamo-nos num amor universal  pronto a comprometer-se lá longe no mundo, mas  que esquece o Lázaro sentado à sua porta fechada

(cf. Lc16,19-31)? Para receber e fazer frutificar plenamente aquilo que Deus nos dá, deve-se ultrapassar as fronteiras da Igreja visível em duas direcções. Em primeiro lugar, unindo-nos à Igreja do Céu  na oração. Quando a Igreja terrena reza, instaura–se reciprocamente uma comunhão de serviços e  bens que chega até à presença de Deus. Juntamente  com os Santos, que encontraram a sua plenitude em  Deus, fazemos parte daquela comunhão onde a indiferença é vencida pelo amor. A Igreja do Céu não  é triunfante, porque deixou para trás as tribulações  do mundo e usufrui sozinha do gozo eterno; antes  pelo contrário, pois aos Santos é concedido já contemplar e rejubilar com o facto de terem vencido  definitivamente a indiferença, a dureza de coração  e  o  ódio,  graças  à  morte  e  ressurreição  de  Jesus.  E, enquanto esta vitória do amor não impregnar  todo o mundo, os Santos caminham connosco, que  ainda somos peregrinos. Convicta de que a alegria  no Céu pela vitória do amor crucificado não é plena  enquanto houver, na terra, um só homem que sofre e  geme, escrevia Santa Teresa de Lisieux, doutora da  Igreja:  « Muito  espero  não  ficar  inactiva  no  Céu;  o

meu desejo é continuar a trabalhar pela Igreja e pelas  almas »  (Carta254, de 14 de Julho de 1897).

Também nós participamos dos méritos e da alegria dos Santos e eles tomam parte na nossa luta e no  nosso desejo de paz e reconciliação. Para nós, a sua  alegria pela vitória de Cristo ressuscitado é origem de  força para superar tantas formas de indiferença e dureza de coração.

Em  segundo  lugar,  cada  comunidade  cristã  é  chamada a atravessar o limiar que a põe em relação  com a sociedade circundante, com os pobres e com os  incrédulos. A Igreja é, por sua natureza, missionária,  não fechada em si mesma, mas enviada a todos os  homens. Esta  missão  é  o  paciente  testemunho  d’Aquele  que quer conduzir ao Pai toda a realidade e todo o homem. A missão é aquilo que o amor não pode calar. A  Igreja segue Jesus Cristo pela estrada que a conduz a  cada homem, até aos confins da terra (cf.Act1,8). Assim podemos ver, no nosso próximo, o irmão e a irmã  pelos quais Cristo morreu e ressuscitou. Tudo aquilo  que recebemos, recebemo-lo também para eles. E, vice-versa, tudo o que estes irmãos possuem é um dom  para a Igreja e para a humanidade inteira.

Amados irmãos e irmãs, como desejo que os  lugares onde a Igreja se manifesta, particularmente as nossas paróquias e as nossas comunidades, se  tornem ilhas de misericórdia no meio do mar da indiferença!

3. « Fortalecei os vossos corações »  (Tg 5,8)– Cada um dos fiéis

Também como indivíduos temos a tentação da  indiferença. Estamos saturados de notícias e imagens impressionantes que nos relatam o sofrimento  humano, sentindo ao mesmo tempo toda a nossa  incapacidade de intervir. Que fazer para não nos  deixarmos absorver por esta espiral de terror e impotência? Em primeiro lugar, podemos rezar na comunhão da Igreja terrena e celeste. Não subestimemos  a força da oração de muitos! A iniciativa 24 horas para o Senhor, que espero se celebre em toda  a Igreja – mesmo a nível diocesano – nos dias 13 e  14 de Março, pretende dar expressão a esta necessidade da oração. Em segundo lugar, podemos levar ajuda, com  gestos de caridade, tanto a quem vive próximo de  nós como a quem está longe, graças aos inúmeros  organismos caritativos da Igreja. A Quaresma é um tempo propício para mostrar este interesse pelo  outro, através de um sinal – mesmo pequeno, mas  concreto – da nossa participação na humanidade  que temos em comum.  E, em terceiro lugar, o sofrimento do próximo  constitui um apelo à conversão, porque a necessidade do irmão recorda-me a fragilidade da minha  vida, a minha dependência de Deus e dos irmãos.

Se humildemente pedirmos a graça de Deus e aceitarmos os limites das nossas possibilidades, então  confiaremos  nas  possibilidades  infinitas  que  tem  de reserva o amor de Deus. E poderemos resistir à  tentação diabólica que nos leva a crer que podemos  salvar-nos e salvar o mundo sozinhos. Para superar a indiferença e as nossas pretensões de omnipotência, gostaria de pedir a todos  para viverem este tempo de Quaresma como um  percurso de formação do coração, a que nos convidava Bento XVI (Carta enc. Deus caritas est, 31).  Ter  um  coração  misericordioso  não  significa  ter  um  coração  débil.  Quem  quer  ser  misericordioso  precisa de um coração forte, firme, fechado ao tentador mas aberto a Deus; um coração que se deixe  impregnar pelo Espírito e levar pelos caminhos do  amor que conduzem aos irmãos e irmãs; no fundo,  um coração pobre, isto é, que conhece as suas limitações e se gasta pelo outro. Por isso, amados irmãos e irmãs, nesta Quaresma desejo rezar convosco a Cristo: « Fac cor nostrum secundum cor tuum – Fazei o nosso coração  semelhante ao vosso » (Súplica das Ladainhas ao  Sagrado Coração de Jesus). Teremos assim um coração forte e misericordioso, vigilante e generoso,  que não se deixa fechar em si mesmo nem cai na  vertigem da globalização da indiferença.

Com estes votos, asseguro a minha oração por  cada crente e comunidade eclesial para que percorram, frutuosamente, o itinerário quaresmal,  enquanto, por minha vez, vos peço que  rezeis por  mim. Que o Senhor vos abençoe e Nossa Senhora  vos guarde!

Vaticano, Festa de São Francisco de Assis, 4 de  Outubro de 2014.

Fonte: Rádio Vaticana